A nova geração de publicitários que nunca vai existir
A automação está mudando o trabalho criativo e barrando uma geração inteira de entrar na indústria, criando uma possível crise de diversidade e inovação

As funções que serviam como porta de entrada no mercado de trabalho da publicidade estão simplesmente deixando de existir.
Os dados revelam uma transformação estrutural. Contratações de nível inicial despencaram 7% globalmente, com mídia e comunicação registrando quedas de 12%.
No Brasil, entre julho de 2024 e junho de 2025, contratações de publicitário caíram 11,25% e de analista de mídia, 19,76%. Nos Estados Unidos, postagens para vagas iniciantes recuaram 35% desde janeiro de 2023.
Não parece uma recessão temporária. O modelo "aprender fazendo" que formou gerações de profissionais criativos está desaparecendo. E suas consequências vão além do desemprego jovem.
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4 causas para a mudança do mercado publicitário
Automação das tarefas de entrada
A inteligência artificial começou eliminando exatamente as funções que serviam como primeiro degrau profissional.
Criação de layouts básicos, análise de dados simples, produção de variações criativas e relatórios de performance, atividades que permitiam a jovens profissionais aprender gradualmente, agora são executadas por algoritmos em minutos.
A Zara conseguiu reduzir 23% no custo por clique usando automação para ajustar lances e selecionar criativos em tempo real.
A Coca-Cola gera variações criativas instantaneamente, eliminando a necessidade de assistentes de criação. Ferramentas como Adobe com IA integrada substituíram equipes inteiras de arte-final e adaptação.
Enxugamento organizacional
As demissões não se limitam a startups em crise. O Google cortou funcionários de publicidade no Brasil em janeiro de 2024, parte de uma onda global. O TikTok demitiu centenas na área de vendas e publicidade.
A indústria de tecnologia eliminou mais de 13.000 vagas em 2024, priorizando equipes menores e mais experientes.
Terceirização e sobrecarga sênior
Funções básicas migram para países com custos menores ou são absorvidas por profissionais experientes.
O resultado: seniores sobrecarregados, sem tempo para mentoria, e jovens sem oportunidades de crescimento progressivo.
A crise da diversidade no mercado de trabalho publicitário
Aqui reside o problema mais grave: cargos júnior historicamente serviam como principal acesso para profissionais de backgrounds diversos. Dados do censo americano mostram que 35,6% das posições iniciais eram ocupadas por profissionais não-brancos, comparado a apenas 11% na alta gerência.
Com a eliminação dessas funções, todo o pipeline de diversidade entra em colapso. Menos candidatos de grupos sub-representados conseguirão progredir para lideranças, perpetuando desigualdades existentes e criando um ciclo vicioso de homogeneização.
O envelhecimento forçado do profissional de publicidade
Trabalhadores de 20-24 anos representam apenas 6,5% dos empregos em publicidade nos EUA, uma queda dramática dos 10,5% em 2019.
Esta compressão etária limita perspectivas criativas e desconecta agências de seu público-alvo. Sem jovens profissionais, equipes perdem contato com plataformas emergentes, linguagens atuais e comportamentos nativos digitais.
Uma grande agência paulista descobriu em 2024 que nenhum funcionário havia usado BeReal, plataforma com 25 milhões de usuários, ao desenvolver campanha para marca jovem.
O paradoxo da inovação
Equipes homogêneas produzem soluções similares. A diversidade de geração e cultura sempre foi combustível da criatividade publicitária.
Sua ausência resulta em campanhas previsíveis, desconectadas de realidades culturais emergentes e incapazes de dialogar authenticamente com audiências plurais.
Como formar diretores criativos em 2030 sem contratar assistentes em 2025? Esta equação simples expõe um problema complexo: a interrupção do desenvolvimento orgânico de talentos.
Existe solução para o mercado de trabalho da publicidade?
Algumas organizações pioneiras estão experimentando alternativas:
Natura criou programa trainee híbrido que combina rotação tradicional com certificação em IA. Jovens aprendem simultaneamente fundamentos de marketing e operação de sistemas inteligentes.
Ogilvy Brasil desenvolveu academia interna de 6 meses focada exclusivamente em projetos que IA não executa: estratégia criativa, pesquisa qualitativa, experiência do consumidor.
ESPM-Publicis estabeleceu parceria onde estudantes desenvolvem projetos reais sob supervisão sênior, eliminando necessidade de contratação júnior tradicional.
Macfor tem programas para atrair e treinar os talentos AAA para aplicar estatística, LLMs, engenharia de prompts e operação de IAs a fim de criar experts em novas tecnologias de automação e IA e reduzir os custos para gerar resultado no digital.
Novas funções do mercado de trabalho publicitário
A destruição criativa também gera oportunidades:
- Prompt engineer criativo: especialista em comandos para IA gerativa.
- Analista de performance de IA: otimização de sistemas automatizados.
- Estrategista de experiência híbrida: integração humano-máquina.
- Creative technologist: ponte entre criação e automação.
Estas funções exigem formação híbrida: criatividade tradicional combinada com fluência tecnológica avançada.
Estratégias recomendadas para jovens profissionais
Especialização IA-complementar: desenvolver habilidades que potencializam inteligência artificial ao invés de competir com ela. Foco em pensamento crítico, estratégia criativa e inteligência emocional.
Caminhos alternativos: startups oferecem estruturas menores com aprendizado multifuncional. Consultorias especializadas valorizam expertise específica. Empresas de tecnologia tratam IA como produto, não ferramenta.
Portfólio híbrido: demonstrar capacidade de trabalhar com IA mantendo toque humano único e irreplicável.
Para lideranças
Quotas de diversidade etária: estabelecer metas específicas para contratação de jovens profissionais em funções redesenhadas.
Parcerias educacionais: criar vínculos estruturados com universidades para pipeline de talentos adaptado à nova realidade.
Métricas de inovação: conectar indicadores de performance criativa à entrada de sangue novo e perspectivas diversas.
3 tendências do mercado de trabalho da publicidade
1: Renaissance criativo
IA libera humanos de tarefas operacionais, elevando todos para trabalho estratégico. Novas funções surgem mais rápido que as eliminadas. Diversidade é preservada através de programas adaptativos.
2: Pirâmide invertida
Mercado com poucos júniores e muitos sêniores, criando gargalo na formação de talentos. Eventual crise de liderança quando geração atual se aposentar.
3: Deserto criativo
Automação excessiva leva à homogeneização, perda de inovação e desconexão total com novas gerações. Indústria perde relevância cultural.
Ações urgentes
A extinção dos cargos júniores já é realidade presente que deixa uma geração inteira à deriva. Quando 35,6% das posições de entrada eram ocupadas por profissionais diversos, mas apenas 11% da alta gerência representa essa pluralidade, a eliminação dessas funções é questão econômica e crise de equidade.
Estamos inadvertidamente construindo uma indústria menos diversa, menos inovadora e menos capaz de se conectar authenticamente com audiências plurais. Para uma indústria que comercializa diversidade como valor, chegou a hora de praticar o que vende.
A inteligência artificial aumenta produtividade, mas não substitui humanidade - ela a complementa. Contudo, se não criarmos deliberadamente novos caminhos de entrada e desenvolvimento, corremos o risco de homogeneização criativa que comprometerá nossa capacidade de inovação e relevância cultural.
A escolha é clara: reinventar intencionalmente como formamos talentos diversos ou enfrentar uma tríplice crise de inovação, desconexão geracional e perpetuação de desigualdades sistêmicas.
A pergunta que define nossa década: estamos preparando uma geração diversa capaz de liderar esta transformação ou criando um deserto de talentos homogêneo que comprometerá tanto inovação quanto justiça social?
A resposta determinará não apenas o futuro da publicidade, mas sua relevância em uma sociedade que exige tanto eficiência quanto equidade.
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