Afinal, de onde vem a inovação?
Texto do autor Ricardo Poli para o Bring me More, coluna especial do BRING ME DATA, que traz a visão de grandes nomes do mercado.
De forma nada inovadora, volta a publicação da coluna desse velho professor de marketing rabugento. A pauta sugerida pelas meninas da MACFOR, mais uma vez, se configura como uma provocação e um desafio. Mesmo assim, saibam os acidentais leitores desse amontoado de palavras, que a toada continuará a mesma, sempre temperada com porções precisas de provocação, sarcasmo e ironia. Nada de novo, ainda que o tema central seja a inovação. Fica o alerta para quem já quiser se abster do convívio com essa coluna.
Em março desse ano, a FAST COMPANY dos EUA publicou um ranking das empresas mais inovadoras do mundo de 2025, ainda que estivéssemos no primeiro trimestre. Pelo visto, consideraram à época que os nove meses subsequentes não fossem suficientes para gestação ou surgimento de um negócio qualificável como inovador. Isso soa um tanto quanto conservador, não? Algo que se assemelha à indústria automobilística atual, que lançou versões 2026 de seus carros no ano passado.
Isso posto, é inevitável, pela leitura do referido texto, o surgimento de outros questionamentos, ainda mais quando se trata desse escrevinhador metido a colunista. Tudo gira em torno dos critérios estabelecidos pelos elaboradores do ranking: inovação, impacto, atualidade e relevância. Os três últimos critérios, ainda que sejam passíveis de certa subjetividade, podem ser logicamente compreendidos sem grandes esforços intelectuais. Entretanto, a concepção a respeito de como se parametriza inovação é algo a ser refletido. E não se trata desse caso em específico, que fique bem entendido.
Há tempos se fala e se escreve sobre inovação, uma palavra obrigatória em todos os “pitchs” de vendas de ideias mirabolantes a respeito novas startups mundo afora, inclusive aquelas que desaparecem tempos depois. Nunca se falou tanto em inovação em ações de comunicação dos mais variados tipos em inúmeras indústrias. Investimentos dedicados à inovação são citados em balanços financeiros com intuito de garantir a valorização de ações e investimentos. Ao que parece, o “ser inovador” passou a ser obrigatório para toda e qualquer corporação, da borracharia aos grandes bancos.
Logo, a questão é: “Afinal, o que é inovação?” O resultado do estudo da FAST traz em seu ranking dos “top 10” uma única empresa em que a dita inovação não está ligada a algum aspecto tecnológico. Nesse caso, a WNBA, presente no ranking por conta de uma adequação de posicionamento. Ressalva seja feita ao NUBANK, presente nessa lista em terceiro lugar muito mais por conta de sua abordagem mercadológica do que em função de aspectos tecnológicos, ainda que esses aspectos estejam ligados intrinsicamente. O mesmo raciocínio pode valer para Luxottica, em relação a seus óculos “inteligentes com estilo”.
A palavra inovação, bem como tudo aquilo que se imagina ou se define a respeito dela, está entre as “top 03” no ranking daquelas que, de tempos para cá, sofreram grandes distorções de significado, como aconteceu com suas irmãs “marketing” e “estratégia”. Como se parametriza algo ou uma transformação inovadora? Quais são os critérios devidos para isso? Trata-se de um processo quantificável em sua essência? Só pode ser considerado inovador algo inédito, ou seja, que não existia outrora na prática ou mesmo no campo das ideias?
Ora, não se trata somente de uma evolução tecnológica do guia de rua em papel para sua uma versão eletrônica? Os processos de atualização ligados a localização de endereços e afins, bem como de estudos ligados a “geomarketing” decorrentes disso, permaneceram os mesmos, não? Tais aplicativos nada mais são do que guias de rua evoluídos e rapidamente atualizáveis por conta da tecnologia.
A título de exemplo, pensemos nos aplicativos de geolocalização como o Waze ou o Google Maps, os mais impactantes em termos de utilidade efetiva no cotidiano das pessoas de uns anos para cá. Outros também se configuram como de grande impacto, mas são de pouca utilidade efetiva, mas isso é assunto para outra coluna. Pois bem, tais aplicativos, quando do seu surgimento, podem ser considerados como inovadores?
Algum ousado aluno em sala de aula poderia questionar esse professor dizendo que os guias de ruas não eram passíveis de colaboração entre seus usuários. Ainda que isso seja questionável, vale lembrar que a interatividade entre usuários de um determinado aplicativo não foi algo inventado por nenhum desses dois citados. Eles somente foram concebidos a partir de um recurso já existente em outros aplicativos e que se demonstrou como algo essencial em sua operação. Logo, não se trata de algo inovador.
O insistente aluno ainda diria que os guias de rua não conversavam com seus usuários motoristas indicando os melhores caminhos a serem seguidos ou que eram incapazes de indicar a existência de congestionamentos ou feiras livres pela cidade. Confesso que ficaria sem argumentos capazes de refutar a argumentação de tal corajoso estudante. Entretanto, é inegável que a essência mercadológica e os processos de construção de ambos, guia de rua e aplicativos, são exatamente os mesmos. A inovação, nesse caso, chegou por conta da tecnologia, que passou a atender desejos e necessidades que já existiam há tempos.
Por conta disso tudo, vale pensar com prudência sobre aquilo que, de fato, se trata como inovação. A banalização e o uso indiscriminado desse conceito, de forma bem e mal-intencionada, é uma realidade. E isso é solo mais do que fértil para profissionais de marketing dos mais variados ramos de negócio, com toda certeza que posso existir. Muitos deles torcem para que tudo permaneça exatamente do jeito que está. Isso facilita muito a confecção de “copys”, seja lá o que isso signifique, e apelos de comunicação. Uma coisa é certa, inovação não está atrelada a tecnologia necessariamente, mas muito mais à inteligência.
Conforme o prometido, finaliza-se mais uma coluna sem um miligrama de inovação e sem a mínima pretensão de responder de onde ela vem, onde começa e onde termina. Para essa missão seria necessário escrever um livro. De preferência, sem ser redigido por meio da IA, algo que se tornou inovador para alguns seres humanos que acreditam serem escritores por conta disso.
Em tempo: o embate entre professor e aluno descrito acima é uma obra ficcional.
O referido aluno não teria a mínima ideia que seria e nunca teria visto um guia de rua.
Ricardo Poli é professor, palestrante, provocador, piadista e colunista da BRING ME DATA.
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As opiniões aqui contidas são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a opinião da Bring Me Data.