Ninguém te fala sobre a solidão de chegar ao C-level

70% dos executivos querem trocar US$ 10 milhões por alguém com quem conversar. A crise de saúde mental no topo corporativo está custando bilhões — e afastando a próxima geração de líderes.

Ninguém te fala sobre a solidão de chegar ao C-level
Photo by Chen Liu / Unsplash

Você passou anos escalando a hierarquia corporativa. Sacrificou finais de semana, relacionamentos, hobbies. Finalmente chegou ao topo. E então descobriu algo que ninguém mencionou nas 47 reuniões de promoção: não há ninguém lá em cima com você.

Brian Chesky, CEO da Airbnb, resume em uma frase o que executivos falam em terapia: "Quanto mais alto você sobe, menos pessoas há com você lá em cima. Ninguém nunca me contou o quanto seria solitário, e eu não estava preparado para isso."

A confissão dele não é isolada. É um padrão. E os números provam que estamos diante de uma crise no topo corporativo.

70% dos executivos querem fugir do paraíso

Segundo estudo da Deloitte de 2022, 70% dos executivos de alto escalão estão considerando trocar de emprego por um que ofereça melhor apoio ao bem-estar. Não estamos falando de gerentes médios insatisfeitos. Estamos falando de pessoas que ganham US$10 milhões por ano cogitando largar tudo.

A Escola de Medicina de Harvard vai além: 40% dos executivos estão ativamente pensando em deixar o cargo, principalmente porque se sentem sem energia e sozinhos ao lidar com desafios diários.

Quase metade dos CEOs quer sair. Não por falta de dinheiro. Por falta de conexão humana.

Carol Tomé, CEO da UPS (empresa de US$ 75 bilhões), foi avisada sobre a solidão antes de assumir. Ela não acreditou. "Eu dizia: 'Como pode ser tão solitário assim?' O que aprendi é que é extraordinariamente solitário. Minha equipe espera eu sair da reunião para se reunir e conversar. É a realidade."

O custo dessa fuga? Trocar um CEO custa entre US$50 e 200 milhões quando você soma recrutamento, transição, perda de conhecimento institucional e turbulência no mercado. Estamos vendo pipelines de sucessão em colapso porque ninguém quer o cargo que antes todos cobiçavam.

A indústria de US$2 bilhões que existe por causa disso

Enquanto executivos sofrem em silêncio, uma economia paralela explodiu nos últimos cinco anos.

Blake Mycoskie, fundador da Toms, transformou sua marca em um império bilionário. Então entrou em depressão. Sentiu-se desconectado do próprio propósito, achando que sua "razão de ser agora parecia apenas um trabalho". A solução? Um retiro masculino de três dias focado em saúde mental. Custo: US$ 15 mil.

Ele não está sozinho. O mercado de "executive coaching" cresceu 300% desde 2020. Existe agora uma categoria de profissionais chamados "CEO whisperers" — coaches que cobram US$ 50 mil por mês apenas para ouvir executivos em total sigilo.

Por que alguém pagaria isso? Indra Nooyi, ex-CEO da PepsiCo (US$ 209 bilhões em valor), explica:

"Você não pode falar com seu cônjuge o tempo todo. Não pode falar com amigos, porque se trata de assuntos confidenciais. Não pode falar com o conselho, porque eles são seus chefes. E não pode falar com seus subordinados, porque eles trabalham para você. Isso te coloca em uma posição bastante solitária."

A solução dela? "Eu falava comigo mesma. Olhava no espelho, conversava comigo. Gritava comigo. Chorava um pouco, depois passava um batom e saía."

Empresas como Airbnb, PepsiCo e Apple agora investem milhões em suporte psicológico executivo. Boards aprovam orçamentos milionários para "bem-estar de CEO" porque começaram a perceber algo: um executivo isolado toma decisões ruins. E decisões ruins custam bilhões.

Quando sua "família" vira sua equipe (e você fica órfão)

Brian Chesky tinha dois cofundadores na Airbnb. Ele os chamava de "família". Passavam praticamente todo o tempo juntos. Até Chesky virar CEO.

"Quando me tornei CEO, comecei a liderar do topo da montanha. Meus cofundadores se distanciaram quando cheguei ao topo do cargo."

Essa dinâmica não é acidente. É arquitetura organizacional. Hierarquia cria barreiras invisíveis. O momento em que você vira "chefe" dos seus pares, a conversa muda. A confiança hesita. A transparência some.

O impacto vai além do emocional. Quando cofundadores se tornam estranhos, a inovação sofre. Decisões estratégicas que antes eram debatidas entre iguais agora passam por filtros de hierarquia. Informação crítica morre no caminho.

A Airbnb, como Apple e Facebook em momentos críticos, enfrentou pontos de inflexão bilionários onde o distanciamento entre liderança custou caro. Lançamentos atrasados. Pivôs mal comunicados. Oportunidades perdidas porque não havia mais aquele alinhamento orgânico.

Seth Berkowitz, fundador da Insomnia Cookies (avaliada em US$ 350 milhões), é direto com empreendedores iniciantes: "Pode ser solitário; é uma vida isolada. E realmente é. Esse cargo não é realmente para todos."

A geração que está recusando o topo

Aqui está o dado mais perturbador: 62% dos executivos entre 30-40 anos estão recusando promoções para CEO.

Leia de novo. Mais da metade dos próximos líderes está olhando para o topo da montanha e dizendo "não, obrigado".

A matemática deles é simples: US$ 10 milhões por ano não compensa o custo para saúde mental, relacionamentos e qualidade de vida. Eles viram o que aconteceu com a geração anterior. Viram executivos chorando no espelho. Viram cofundadores virando estranhos. Viram a solidão disfarçada de sucesso.

O resultado? Empresas estão enfrentando uma crise de sucessão sem precedentes. Não há candidatos internos. O pipeline está quebrado. E isso tem implicações massivas para governança corporativa nos próximos 10 anos.

O que isso significa para quem ainda está subindo

Se você está na sua jornada para o C-level, aqui está o que os dados não aparecem no seu plano de carreira:

1: O isolamento não é um bug, é uma feature do sistema. Carol Tomé foi avisada e não acreditou. Você está sendo avisado agora.

2: Não existe "equilíbrio" no topo sem arquitetura intencional. Brian Chesky recomenda compartilhar poder ativamente, criar estruturas onde ninguém carrega sozinho o fardo mental. Empresas estão testando modelos de co-CEOs, estruturas mais horizontais, liderança rotativa.

3: A nova métrica de sucesso não é compensação, é conexão. Os 70% que querem sair não querem yoga corporativa. Querem ter com quem falar sobre decisões reais. Querem peer groups onde podem ser vulneráveis sem virar notícia. Querem mentores que entendem o peso de carregar segredos bilionários.

4: Vulnerabilidade virou moeda de liderança. Quando Brian Chesky falou abertamente sobre solidão no podcast de Jay Shetty, o episódio teve mais de 12 milhões de visualizações. As ações da Airbnb subiram 15% nas semanas seguintes. Autenticidade superou autoridade como ativo de marca pessoal.

Mas atenção: 60% dos boards ainda veem "fraqueza emocional" como red flag. A linha entre autenticidade e "incapacidade de liderar" é fina. Casos de CEOs demitidos após "confessar demais" (Uber, WeWork) provam que há risco real.

"Se pessoas no passado fossem tão solitárias, não sobreviveriam"

Brian Chesky fecha seu raciocínio com uma provocação antropológica: "Acho que hoje vivemos uma das épocas mais solitárias da história humana. Se as pessoas no passado fossem tão solitárias quanto somos hoje, provavelmente não sobreviveriam — porque ninguém sobrevive sem sua tribo."

Executivos perderam suas tribos. E diferente de qualquer outro momento na história, eles têm recursos ilimitados para resolver isso — mas nenhum playbook.

A indústria de US$ 2 bilhões que cresceu em torno dessa dor prova que há demanda. Os 70% querendo sair provam que as soluções atuais não funcionam. O fato de que empresas com CEOs "conectados" têm 34% mais ROI (estudo McKinsey) prova que resolver isso não é caridade, é estratégia.

O topo da montanha sempre foi solitário. Mas pela primeira vez na história corporativa, estamos admitindo isso em voz alta. E talvez, apenas talvez, possamos redesenhar a montanha para que haja mais espaço lá em cima.

Porque a verdade inconveniente é esta: se continuarmos perdendo 40% dos nossos melhores líderes para a solidão, e se 62% dos próximos recusarem subir, em breve não haverá mais ninguém disposto a chegar ao topo.

E aí, todo o resto desmorona.