O setor de healthtech está em uma corrida armamentista

Como o mercado de obesidade subiu de US$2 bilhões para US$100 bilhões em cinco anos, e por que gigantes farmacêuticos pagam fortunas por startups que nem sequer têm produtos aprovados

O setor de healthtech está em uma corrida armamentista
Photo by Jens Müller / Unsplash

O setor farmacêutico cresceu quase 1000% nos últimos anos com a proposta de fazer pessoas magras.

A Novo Nordisk acaba de investir US$ 10 bilhões em uma startup chamada Metsera, uma empresa que existe há três anos e não tem produtos aprovados.

E esse preço pode ser uma pechincha.

O novo mercado da obesidade

O negócio é vender o que as pessoas querem, não o que elas precisam. Portanto, o mercado de obesidade não atende uma necessidade, mas uma das fantasias mais antigas da humanidade: transformação instantânea sem sacrifício.

Em 2018, o mercado global de medicamentos para obesidade valia modestos US$2,4 bilhões. Um número respeitável, mas nada que fizesse os gigantes farmacêuticos perderem o sono.

Em 2024, esse mercado chegou a US$24 bilhões. Um crescimento de 900% em seis anos. As projeções para 2030 são ainda maiores: entre US$100 e US$150 bilhões anuais.

A Novo Nordisk sozinha fatura US$14 bilhões por ano apenas com Ozempic e Wegovy. A Eli Lilly, com seu Mounjaro e Zepbound, está crescendo 35% ao ano e dominando um terço do mercado. E a Pfizer ficou assistindo da arquibancada como um executivo que passou a reunião inteira verificando emails.

Por que cada gigante precisa de sua própria startup de obesidade

No marketing, você não pode depender de uma única conta. Na farmacêutica, se você não tem seu próprio pipeline de GLP-1, componente de medicamentos como Ozempic, ou a próxima grande coisa em obesidade, sua empresa pode acabar.

É por isso que há mais de 50 startups de obesidade com valuação combinada superior a US$80 bilhões e a Novo Nordisk já adquiriu oito empresas do setor desde 2020, gastando US$ 25 bilhões no processo.

E é por isso que estão dispostos a pagar US$ 10 bilhões por uma empresa que pode nunca entregar um único comprimido.

De Ozempic a Wegovy

O Ozempic foi um acidente feliz. A Novo Nordisk estava desenvolvendo um medicamento para diabetes. Descobriram, quase por acaso, que os pacientes estavam perdendo peso. Muito peso. E de repente, todo mundo queria diabetes.

Não literalmente, claro. Mas quando celebridades começaram a aparecer visivelmente mais magras e rumores sobre "injeções mágicas" inundaram as redes sociais, a Novo percebeu que tinha tropeçado na maior oportunidade farmacêutica desde o Viagra.

Em 2017, quando o Ozempic foi lançado, ninguém imaginava o que viria. Até 2021, era apenas mais um medicamento para diabetes com efeito colateral conveniente. Mas então veio a aprovação do Wegovy, essencialmente a mesma droga, reembalada especificamente para perda de peso com dosagem otimizada, e o mercado literalmente explodiu.

As ações da Novo Nordisk subiram 340% desde então. A empresa se tornou a 12ª mais valiosa do mundo, com market cap de US$ 588 bilhões. Maior que Tesla, Walmart e a maioria dos PIBs nacionais.

A Novo entendeu algo fundamental sobre timing. Eles dominaram a categoria antes que os concorrentes acordassem.

Quando Pfizer e outros gigantes finalmente perceberam o que estava acontecendo, a Novo já tinha cinco anos de vantagem, bilhões em receita recorrente e lealdade de marca que faria a Coca-Cola corar.

O custo da dependência farmacêutica

Cada gigante precisa de seu próprio território, seu próprio pipeline, sua própria proteção contra a próxima grande mudança.

A Pfizer aprendeu isso da pior maneira possível. Duas vezes.

Primeira vez: eles ganharam US$ 37 bilhões com a vacina COVID em 2021 — o maior lucro de produto único na história farmacêutica. E o que fizeram com esse dinheiro? Nada visionário. Compraram empresas defensivamente. Consolidaram linhas existentes. Enquanto isso, a revolução da obesidade estava acontecendo bem debaixo de seus narizes.

Segunda vez: agora. A Pfizer tentou bloquear a oferta de US$ 10 bilhões da Novo pela Metsera através do tribunal de Delaware. Perderam. E aqui está o problema: eles perderam não porque ofereceram menos dinheiro — possivelmente ofereceram mais — mas porque chegaram tarde demais. Timing, não valor, decidiu a guerra.

O resultado? A Pfizer não tem zero produtos competitivos aprovados em obesidade. Zero. Uma das maiores farmacêuticas do planeta está completamente fora do mercado de crescimento mais rápido da indústria.

Suas ações caíram 40% desde o pico da COVID. Os investidores punem falta de visão. Sempre punem.

Metsera: por que US$ 10 bilhões é seguro

Vamos falar sobre a Metsera especificamente, porque aqui é onde a nova economia se revela em toda sua glória perversa: promessa vale mais que produto, potencial vale mais que lucro.

A Metsera foi fundada em 2022. Três anos atrás. Seu produto principal ainda está em Fase 2 dos ensaios clínicos — a meio caminho de uma aprovação que pode nunca chegar. Estatisticamente, 90% dos medicamentos em Fase 2 falham antes de chegarem ao mercado.

Então por que alguém pagaria US$ 10 bilhões por isso?

Por duas razões que definem a corrida armamentista atual:

Primeira razão: a matemática oculta do potencial. Se a Metsera lançar seu produto em 2028, a receita potencial anual está entre US$ 8 e US$ 12 bilhões. Aplicando múltiplos conservadores de mercado (10x receita), estamos falando de market cap entre US$ 80 e US$ 120 bilhões. De repente, US$ 10 bilhões hoje representa retorno de 5x em cinco anos — 100% ao ano. Poucos investimentos no planeta oferecem isso com alguma previsibilidade.

Segunda razão: o que a Metsera promete que o Ozempic não entrega. O Ozempic e o Wegovy funcionam. Excepcionalmente bem. Mas têm problemas: 40-60% dos usuários reportam náusea significativa, 15% abandonam o tratamento devido a efeitos colaterais, e o peso volta quando você para de tomar. Você está preso para sempre a injeções semanais.

A Metsera promete algo diferente: efeito duradouro mesmo após parar o tratamento, menos efeitos adversos, e um mecanismo de ação diferente que não depende apenas de GLP-1. Eles estão apostando na próxima geração enquanto todo mundo ainda está vendendo a geração atual.

Isso é estratégia. Não é apostar contra o presente — é controlar o futuro.

A lógica das aquisições defensivas

Aqui está algo que não ensinam em Harvard Business School, mas que todo CEO deveria tatuar no pulso: em mercados de crescimento explosivo, você não compra startups para ganhar dinheiro. Você compra para que seu concorrente não compre.

A Novo Nordisk não pagou US$ 10 bilhões pela Metsera porque precisa desesperadamente de outro produto de obesidade — eles já dominam 60% do mercado. Eles pagaram porque não podem permitir que a Pfizer ou a Eli Lilly tenham.

É o mesmo princípio que governava a Guerra Fria: acumulação mutuamente destrutiva. Você constrói arsenais não porque precisa usar, mas porque a mera existência deles impede que o outro lado ataque.

Pense na escala: 15 startups de obesidade estão atualmente avaliadas em US$ 30 bilhões ou mais. Cada uma é um alvo potencial. E os grandes sabem que se não comprarem hoje por US$ 10 bilhões, terão que competir amanhã contra um rival fortalecido que pagou US$ 15 bilhões.

A Pfizer tem US$ 200 bilhões em caixa. Analistas preveem que gastarão entre US$ 40 e US$ 50 bilhões em M&A nos próximos 18 meses, apenas para recuperar terreno perdido. Não porque querem. Porque precisam. Porque não ter opção é pior que pagar qualquer preço.


O setor de healthtech está em uma corrida armamentista. E como toda corrida armamentista, o vencedor não será quem tem a melhor tecnologia. Será quem tiver coragem de pagar qualquer preço para garantir que o concorrente não tenha.